Não será o Ocidente, mas o mundo em desenvolvimento que sofrerá o impacto do coronavírus – entretanto agir rapidamente poderá salvar mais de 30 milhões de vidas este ano

Com 80% das mortes por coronavírus estando localizadas no Leste Europeu, o foco da mídia mundial tem, de forma compreensível, estado lá. O Reino Unido teve 260 mortes hoje e tem mais de 1000 mortes no total.

Mas a COVID-19 está atingindo 199 países e territórios pelo mundo1.

Dentre eles estão 27 países que contabilizam entre 3 e 40 mortes hoje (onde o Reino Unido estava de 14 a 19 de março) e 28 países com 1 a 2 mortes hoje (onde o Reino Unido estava de 5 a 13 de março) – então há outros 55 países que em mortes por dia estão a apenas 9 a 23 dias atrás de nós.                               

Desses 55 países, mais de 20 estão no mundo em desenvolvimento. No atual ritmo de transmissão – um aumento de 12% em mortes no mundo por dia – nós esperaríamos2 atingir 100.000 mortes no mundo por volta de 7 de Abril, 500.000 em 21 de Abril e 1 milhão em 28 de Abril.

Mas se nós levássemos isso até o final do ano, o que encontraríamos?

Uma nova reportagem3 essa semana declarou que não fazer nada para combater o vírus deixaria o mundo lidando com por volta de 40 milhões de mortes este ano.

Mas eles também declararam que até 95% dessas mortes poderiam ser evitadas se os países agissem rapidamente.

Pesquisadores do Imperial College4, em Londres, examinaram o impacto da pandemia em 202 países usando diferentes cenários baseados em dados da China e países ocidentais.

Suas conclusões?

Se os países adotarem medidas rígidas logo (em um estágio onde só há 2 mortes por 1.000.000 habitantes por semana) – como testagem5, isolamento dos casos e amplo distanciamento social para prevenir a transmissão – 38,7 milhões de vidas poderão ser salvas.

Mas se essas medidas forem introduzidas tardiamente ( com 16 mortes por 1.000.000 de habitantes por semana) o cenário pode cair para 30,7 milhões.

Por outro lado, distanciamento social isoladamente poderia salvar apenas 20 milhões de vidas.

Os efeitos da pandemia tendem a ser mais severos nos países em desenvolvimento – a comunicação é pior, as instalações de saúde são mais pobres, há menos profissionais de saúde e uma alta incidência de infecções crônicas (como tuberculose) e doenças não infecciosas (doenças cardíacas, pulmonares e diabetes).

Dados demográficos evidenciam que pessoas mais velhas formam uma parcela menor da população (21% das pessoas no País de Gales estão no grupo de risco dos acima de 65 anos, mas apenas 3% na Etiópia), mas isso é mais do que compensado pela maior população e o risco aumentado representado pelas famílias extensas.

Os dez países mais populosos do mundo incluem Índia (com 1.380 milhões de pessoas), Indonésia (273 milhões), Paquistão (220 milhões), Nigéria (206 milhões), Bangladesh (164 milhões) e México (128 milhões). São 2.370.000 pessoas – por volta de um terço da população mundial – em apenas seis países.

Os próximos dez países mais populosos incluem Filipinas, Egito, Vietnã e República Democrática do Congo com uma população combinada de mais de 400 milhões.

É mais do que o dobro da população da Europa Ocidental (atualmente 195 milhões1).

Haverá 25 vezes mais doentes necessitando cuidados críticos do que as camas disponíveis, em comparação com sete vezes mais nos países de elevado rendimento, diz o relatório.

Buscar a adequação das pessoas com as medidas de redução de infecções como o distanciamento social num país rico e tecnologicamente avançado como o Reino Unido, onde os níveis educacionais são elevados e a comunicação é fácil – todos podem ser facilmente alcançados por texto e meios de comunicação social – é uma coisa. Conseguir isso em muitos países em desenvolvimento, onde as infra-estruturas, os sistemas de transportes e de comunicações são deficientes em comparação com outros, os níveis de escolaridade são relativamente baixos e onde os governos e a polícia são mais propensos a serem corruptos, irresponsáveis, com poucos recursos e desmotivados, é outro panorama em seu conjunto.

Segundo a BBC, após o isolamento anunciado esta semana na Índia6, as pessoas em Deli e na capital financeira, Mumbai, rapidamente lotaram lojas e farmácias em meio a receios de escassez.

Entretanto, milhões de pessoas ficaram sem emprego e sem dinheiro, em consequência da paralisação.

Também provocou um êxodo das grandes cidades, onde milhares de trabalhadores migrantes se deslocam em longas viagens de regresso às suas comunidades de origem, depois do transporte ter sido interrompido.

A Índia ocupava apenas o 80º lugar no Índice de Percepção da Corrupção determinado pela Transparência Internacional em 2019. A Indonésia, o Paquistão, o México, a Nigéria e o Bangladeche ocuparam um lugar ainda mais baixo em 85º, 120º, 130º e 146º, respectivamente, entre os 180 países incluídos.

Corrupção significa que nada pode ser alcançado de forma rápida e eficiente. Mas, à medida que o vírus se propagar, apenas as medidas mais drásticas diminuirão o impacto, e os países menos capazes de se protegerem estarão entre os mais duramente atingidos.

O professor Neil Ferguson, do Imperial College London e autor do artigo afirmou: “A nossa investigação vem juntar-se às provas crescentes de que a pandemia da COVID-19 representa uma grave ameaça global para a saúde pública”.

Ele acrescenta que “a partilha dos recursos e das melhores práticas é extremamente importante para evitar os impactos potencialmente catastróficos da pandemia a nível mundial”.

As estratégias para conter o vírus deverão ser mantidas de alguma forma até que as vacinas ou tratamentos eficazes estejam disponíveis, a fim de se evitar o risco de outra epidemia.

O Ocidente tem um enorme conhecimento e, agora, experiência no combate à COVID-19. Mas o que faremos para ajudar os menos favorecidos do hemisfério Sul, que enfrentam um desafio ainda maior?

Uma coisa é clara – se quisermos que as intervenções tenham impacto e contribuam para poupar 95% dos 40 milhões que poderão morrer este ano, temos que agir rapidamente. Em uma questão de semanas, poderá ser muito tarde.

Não podemos esperar tanto tempo para agir como no Ocidente – uma vez que os países em desenvolvimento não dispõem de uma quantidade suficiente de camas hospitalares e de oxigênio, muito menos de ventiladores para fornecerem apoio se a prevenção da propagação do vírus não for bem sucedida.


Tradução: Médicos de Cristo

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